‘Gigantes nacionais e transnacionais’ que exploram recursos minerais amazônicos cobiçados mundialmente têm um prêmio a mais para ampliar seus lucros e sua exploração: os incentivos fiscais concedidos pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM.
Empresas como a Vale do Rio Doce, BHP Billiton, Hydro Norsk e Mineração Rio do Norte estão na lista das beneficiadas pelos incentivos fiscais com isenção de 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ. Esta redução pode ser ainda maior se estas empresas, adicionalmente, optarem pela utilização de 30% dos 25% do imposto devido para ampliarem suas capacidades de exploração. Logo, o prêmio que essas empresas recebem da União por estarem na Amazônia explorando recursos minerais, no caso, pode chegar a 82,5% do Imposto de Renda devido; literalmente, um ‘negócio da China’.
Os volumes de recursos públicos especificamente destinados a esses projetos não são informados à população sob a alegação de sigilo fiscal pela Secretaria da Receita Federal. A própria SUDAM afirma desconhecê-los à medida que a função da Autarquia nesse processo se resume a atestar a execução prévia de 20% do projeto, legalmente exigida para a habilitação da empresa ao recebimento dos incentivos. Já os valores agregados dos incentivos concedidos entre 2007 e 2014 alcançaram R$ 16,5 bilhões.
Uma aproximação do incentivo recebido, por projeto, pode ser feita para os casos das explorações das minas Bela Cruz, Monte Branco e Saracá, pela Mineração Rio do Norte a partir dos dados sobre o crescimento da receita da empresa entre 2013 e 2014 conforme dados constantes no respectivo Balanço. Considerando uma estimativa do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica devido em R$ 16,12 milhões, é possível concluir que os incentivos recebidos pela empresa para explorar bauxita em Oriximiná, no Pará, somam valor próximo a R$ 12 milhões ao ano. Em dez anos, tempo da concessão do incentivo, esta mineradora adicionaria em torno de R$ 121 milhões de recursos públicos ao seu capital.
Na teoria, os Incentivos Fiscais para a Amazônia teriam a função de viabilizar a instalação de grandes empreendimentos econômicos na região cujos efeitos germinativos induziriam o processo de desenvolvimento regional. Contudo, na prática, esta é uma contribuição adicional da Amazônia para capitalizar as transnacionais da mineração, potencializando sua operação em escala global.
Quer dizer, para explorar bauxita, um recurso escasso, finito – a mina de Sacará, uma das exploradas pela MRN, já está em sua fase final de extração – e localizado naquele lugar específico da Amazônia, e não na Avenida Paulista, o governo oferece além de outros tantos benefícios uma gorda renúncia tributária.
É importante lembrar que as empresas transnacionais são as detentoras dos direitos de exploração das principais e mais lucrativas áreas de mineração na Amazônia, e no mundo.
A própria Mineração Rio do Norte do nosso exemplo é controlada por gigantes do setor: Vale 40%; Alcoa 20%; CBR 10%; BHP Billiton 13%; Rio Tinto 12% e Hydro 5%. Estas transnacionais para ampliarem ainda mais seus ganhos se utilizam de diversos artifícios contábeis para reduzir o pagamento de tributos, como a prática de transfer pricing (quando a empresa vende para outra coligada dela fora do país a um preço abaixo do mercado), além de outras ações mais conhecidas, como sonegação, evasão e elisão.
Os incentivos fiscais concedidos pela SUDAM ampliam, portanto, o quadro de injustiça tributária no Brasil e contribuem para um processo mais acelerado de exaustão de recursos minerais, correlato a um processo não menos danoso de impactos sociais e ambientais que é a marca registrada da exploração mineral.
Incentivos ao Reinvestimento
Diferentemente da isenção de 75% do IRPJ, os incentivos fiscais para reinvestimento (30% dos 25% a serem pagos) devem ser públicos em função da Portaria N° 283 de 2013 do Ministério da Integração que obriga a SUDAM a publicar na sua página da internet as notas fiscais das máquinas e equipamentos objetos dos projetos de reinvestimento aprovados pelo órgão.
Os montantes de benefícios concedidos por empresa nesta modalidade somam R$ 506,96 milhões entre 2007 e 2012. Por lei, as empresas devem “contribuir” com 50% a mais para ampliar seus próprios negócios, ou seja, neste mesmo período as empresas beneficiadas aplicaram R$ 253.48 milhões para terem o direito de receber os R$ 506,96 milhões dos seus impostos devidos.
Os dados por empresas mostram as escandalosas cifras do “monopólio” da Vale no controle destes incentivos. Nada menos do que 74% dos R$ 506,96 milhões são apropriados pela Vale em vários projetos: Vale SA; Vale Complexo Carajás – Ferro; Vale Complexo Serra do Carajás; Vale Serra do Sossego – Cobre e, também, pela extinta Companhia Vale do Rio Doce – Cobre.
Logo atrás vem a Petrobrás que abocanhou outros 12,22% dos recursos aprovados para reinvestimento. Juntas, Vale e Petrobrás receberam 86% do benefício do reinvestimento. Isto significa uma “contribuição” de R$ 436,69 milhões do país para ampliação dos seus investimentos na Amazônia.
É comum a tentativa de defesa dos incentivos fiscais sob a alegação de que esta renúncia tributária em termos de valores acaba sendo mais que compensada em função dos investimentos já que eles geram valor agregado, empregos e movimentam a economia regional e nacional. Assim, alega-se que o balanço tributário destes instrumentos costuma ser positivo. Este discurso, contudo, só se justifica sob a hipótese de que estes investimentos não viriam para a Amazônia se não houvesse o incentivo, a qual claramente não se sustenta.
Por que existe este prêmio amazônico para explorar recursos estratégicos e tão cobiçados mundialmente?
Os incentivos fiscais vigoram desde 1963, há 52 anos, com algumas mudanças de forma e de valores. A redução na década de 60, por exemplo, era de 100% do IRPJ e a empresa optante poderia estar localizada em qualquer lugar do Brasil. Havia à época uma complicada dinâmica de intermediação entre empresas optantes pela renúncia e as empresas beneficiárias destes recursos.
Em síntese, a intenção era criar um mercado de cotas onde as empresas optantes pelos incentivos e as empresas beneficiadas se encontrassem em um mercado criado especificamente para negociar tais cotas. Na prática, a empresa optante virava sócia da empresa beneficiária do recurso da isenção. Havendo também a possibilidade das duas empresas serem dominadas por um mesmo grupo econômico que optava pela renúncia e investia os recursos da isenção na Amazônia. Este complicado esquema era, em tese, justificado pela necessidade de reduzir riscos e incertezas e aumentar expectativas de ganho de grandes empresas e, assim, atraí-las, para investirem na região.
Adicionalmente, gerou inúmeros problemas como altos custos de corretagem e desvios de recursos. O fato é que nunca funcionou como era previsto. Nem mesmo depois de 1974 quando foi introduzido o Fundo de Investimentos da Amazônia – o FINAM com a intenção de reunir e distribuir os recursos advindos dos incentivos e de extinguir a prática de corretagens no mercado de captação de incentivos entre empresas optantes e beneficiárias.
Mas se o mecanismo apareceu como “inovador” na década de 60, sua utilização serviu a um velho padrão de exploração: aprofundar o papel da Amazônia brasileira como fornecedora de commodities.
Apesar das mudanças ao longo dos anos os incentivos fiscais foram mantidos e foi preservada a possibilidade de grandes empresas que operam na exploração dos recursos naturais amazônicos ampliarem consideravelmente seus lucros por meio de uma carga tributária diferenciada.
O formato hoje em vigor é regido pela Medida Provisória N° 2.199 de 2001 cuja redação mais recente é dada pela Lei N°12.995 de 2014. Os setores considerados prioritários para o desenvolvimento regional que podem pleitear o incentivo estão definidos pelo Decreto N°4.212 de 2002. A lista de setores prioritários é extensa e contempla todos os segmentos intensivos na exploração de recursos naturais, entre eles a indústria extrativa de minerais metálicos, a agroindústria de carnes e óleos vegetais, a indústria de transformação de madeira mesmo que com baixíssimo grau de processamento, além de energia e produção de gás. Esta “escolha” dos setores prioritários para o desenvolvimento regional já passou por revisão em 2009 por meio do Decreto N° 6.810, para incluir novos setores de base mais industrial como brinquedos e relógios. Mas ao longo da história dos incentivos fiscais nenhum governo ousou mexer nos incentivos às mineradoras e agronegócio, que permanecem intactos.
O papel de avaliar e aprovar os projetos como aptos a receberem os incentivos é da SUDAM, recriada pelo governo Lula em 2007 que basicamente segue a lógica de enquadrar os projetos baseados no Decreto a partir de questionários simplificados emitir seus pareceres. Cabe à unidade da Receita Federal a que estiver jurisdicionada a pessoa jurídica pleiteante reconhecer o direito da redução do tributo objeto do incentivo fiscal.
Mas nem a SUDAM, nem o Ministério da Integração ao qual ela é vinculada, nem o governo como um todo têm hoje uma avaliação aprofundada desta política de incentivos fiscais e dos seus efeitos diretos e indiretos, positivos e negativos, para a Amazônia.
E assim grandes empresas S.A que atuam em setores e segmentos totalmente baseados em recursos naturais – terra, minérios, água, gás, madeira – e que estão na Amazônia porque seus negócios, em sua maioria globais, requerem o controle destes recursos, recebem incentivos fiscais, além de muitas outras benesses tributárias e creditícias(1), sob a alegação de que sem eles estas empresas não estariam operando na Amazônia.
Depois de tantos anos e tantos equívocos é hora de uma revisão profunda desta política. A ineficácia deste instrumento para o desenvolvimento sustentável da Amazônia pode ter sido um reflexo da sua captura por grupos de interesse – do governo e de setores empresarias – vinculados aos negócios globais de commodities intensivas em recursos naturais. Este movimento corrompeu o caráter inovador e potencialmente positivo da política dos incentivos fiscais e a transformou em uma aberração que atenta contra o interesse público e contra o desenvolvimento e a preservação da Amazônia.
(1) Estimativas realizadas pelo Inesc apontam que entre 1997 e 2013 o Estado do Pará perdeu R$ 11,9 bilhões de ICMS em função das exportações de minérios isentas pela Lei Kandir. A compensação via orçamento federal foi de apenas R$ 2,5 bilhões (21,2%), o que implica uma perda de R$ 9,4 bilhões.
Sobre a autora: Alessandra Cardoso é economista e assessora política do Inesc.