Lucro da Vale expõe os abusos socioeconômicos da mineração no Brasil

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A Vale publicou o resultado de suas operações em 2016: um lucro líquido de R$ 17,45 bilhões e um crescimento do valor de mercado de 143,6%.

Para a dupla felicidade dos acionistas a companhia lhes entregará R$ 5,52 bilhões que não serão taxados já que desde 1995 os lucros e dividendos recebidos por donos e acionistas de empresas estão isentos de imposto. Uma taxa de 15%, como era cobrada até 1995, renderia aos cofres públicos R$ 828 milhões, somente de lucros de dividendos dos acionistas da Vale.

Até 1995 havia tributação sobre dividendos no Brasil. A justificativa para a isenção, à época, foi evitar que o lucro já tributado na empresa, que paga Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, fosse novamente taxado quando se convertesse em renda pessoal, com a distribuição de dividendos. Com a isenção, segundo pesquisadores do IPEA, grande parte do que ganham os ricos não é tributada. Isso faz com que o topo da pirâmide social pague menos impostos que a classe média no país, proporcionalmente à renda.

Muitas coisas, juntas e misturadas, explicam lucros tão excitantes aos olhos do mercado:

  • Uma extração recorde de 348.8 milhões de toneladas de minério de ferro em 2016, dos quais 148.1 milhões vieram somente de Carajás.
  • O baixo custo com mão de obra, grande parte terceirizada. O custo do produto pronto para ser exportado no Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, em São Luís do Maranhão (MA), é de US$ 7,70 por tonelada, 41% menor do que a Vale alcança em sua média.

Os lucros são inflados, além de tudo isso, pelas muitas isenções fiscais e tributárias concedidas pelo governo brasileiro:

  • As exportações de minérios não pagam ICMS graças a Lei Kandir;
  • A Vale não paga Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) no Pará porque é isenta pela SUDAM. Detalhe, a empresa recebe isenção desde a década de 80, quando iniciou suas operações em Carajás.
  • Também graças as isenções concedidas pela SUDAM, a Vale não paga adicional de frete de marinha mercante.

Sua capacidade de controlar as instituições do Estado Brasileiro para garantir seus interesses:

  • Bom exemplo disso é o que acontece hoje em Canaã dos Carajás onde a Vale, cidade onde se localiza o projeto S11D. Lá a Vale compra terras de titulação duvidosa para assegurar o controle dos recursos e consegue liminares na justiça para expulsar famílias que estão ocupando a terra para produzir alimentos e buscar uma condição digna de vida.

Tristes trópicos onde a maior indústria privada do Brasil consegue se apropriar e extrair em velocidade e volumes cada vez mais intensos recursos finitos deixando para trás elevados prejuízos para o país, para a sociedade e para as comunidades que vivem no entorno dos seus projetos.

É essa indústria privada que agora será novamente privatizada, conforme novo acordo de acionistas, divulgado também essa semana. Com o novo acordo, a VALEPAR, que detêm o controle acionário da Vale, será extinta. E, com seu fim, os grupos que a compõem (Bradespar, o BNDESpar, a japonesa Mitsui e os fundos de pensão, como Previ e Petros) ficarão livres para votar como bem entenderem nas decisões da empresa. Também estarão livres para fazer o que quiserem com as ações da companhia – inclusive, vendê-las.

A notícia, obviamente, foi um presente para os investidores internacionais ansiosos por participar da festa. Afinal, com tanto lucro, não faltam acionistas com apetite para abocanhar ações que hoje estão, por exemplo, sob o controle do BNDESPar. Detalhe: a mera divulgação da notícia garantiu um ganho inicial de R$ 11,4 bilhões no valor de mercado da Vale.

Justiça favorece a Vale e determina despejo de famílias em Canaã – Leia a nota oficial dos acampamentos de Canaã de Carajás (PA):

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As famílias do Acampamento Planalto Serra Dourada, em Canaã dos Carajás, sudeste do Pará, foram surpreendidas com a chegada de um oficial de justiça da Vara Agrária para entregar uma Liminar de Despejo na última semana. O acampamento, próximo de completar três anos, está amparado em acordo feito junto ao INCRA agora em fevereiro para levantamento a ser feito pelo órgão de todas as áreas pretendidas pelas famílias acampadas.

O juiz Amarildo José Mazutti, da Vara Agrária de Marabá, expediu liminar de Reintegração de Posse em 13 de fevereiro, a ser cumprida no prazo de 10 dias, passando por cima do acordo com o INCRA, firmado em 07 de fevereiro. A liminar atua em favor da Vale, baseando-se apenas em informação de que se trata de uma área acobertada por Título Definitivo expedido pelo Instituto de Terras do Estado do Pará, sem averiguar a veracidade da legitimidade de proprietária da área alegada pela empresa.

Nesse contexto, não teria sido um grande equívoco cometido pelo juiz se a área que a Vale diz ter comprado tivesse acontecido entre a empresa e o verdadeiro possuidor do Título Definitivo do imóvel. Mas o que aconteceu, assim como em muitas outras áreas sob liminar, é que a Vale comprou a área onde hoje é o Acampamento Planalto Serra Dourada de um posseiro e não do proprietário.

No nosso entendimento o posseiro não tinha o direito de vender a área que não era sua e a empresa não pode se declarar proprietária de uma área comprada de quem não poderia vender. Portanto, é uma transação ilegal, feita por quem vendeu e por quem comprou. O que será daqui por diante se esta prática for considerada legal?

E mais, se tem alguém com direito de solicitar reintegração de posse da área em discussão não é a Vale, mas sim o Sr. Francisco José de Camargo que tem o imóvel registrado no cartório de único oficio, de Parauapebas – Pará, no livro 2, folha 1, com matrícula 0342, de 24 de fevereiro de 1994. Adquirida por permuta de uma área localizada no município de Santana do Araguaia, por estar localizada na gleba Três Braços, em 1980. Diante do esclarecido não nos sentimos na obrigação de desocupar uma área a partir de manifestações por parte de quem não é o legitimo proprietário. A Vale tem que responder por calúnia e danos morais diante do poder judiciário.

Através de nossa assessoria jurídica vamos recorrer dentro do prazo que nos foi dado. Enquanto isto, vamos continuar lavrando a terra, colhendo o que temos plantado e contribuindo para a alimentação de muitas famílias da cidade de Canaã.

O município já conta com uma infinidade de pessoas necessitadas e desempregadas e não suportará mais 1.200 famílias nas filas da secretaria de assistência social clamando por um prato de comida. E nós, as famílias acampadas, não toleramos mais ser humilhadas pela Vale e sobrevoados por seus helicópteros todos os dias.

Esperamos contar com o apoio de todas as entidades, movimentos, grupos religiosos, parlamento local e todos aqueles e aquelas que se comovem diante das injustiças cometidas pelas corporações e governos contra quem quer que seja.

 

Canaã dos Carajás, 18 de fevereiro de 2017.

Acampamento Planalto Serra Dourada

Acampamento Grotão do Mutum

Acampamento Alto da Serra

Acampamento Rio Sossego

Movimento em Defesa de Territórios Livres de Mineração

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Organização não governamental, sem fins lucrativos, sediada em Brasília e que atua há 35 anos em defesa dos direitos humanos e pelo fortalecimento da democracia.