A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada em novembro de 2015 para investigar a Funai e o Incra faz parte de um ataque coordenado aos direitos indígenas no Brasil promovido por um grupo retrógrado e latifundiário que têm grande interesse nas terras indígenas e quilombolas pelo país, avalia João Pedro Gonçalves, presidente da Funai, em entrevista exclusiva ao site Investimentos e Direitos na Amazônia.
Segundo Gonçalves, a CPI formada majoritariamente por parlamentares da bancada ruralista tem um objetivo claro: fazer um diagnóstico perverso, desqualificando o papel técnico da Funai, para em seguida legitimar a aprovação da PEC 215/00, que altera a competência sobre demarcação de terras indígenas no Brasil. “A CPI tem como estratégia negar direitos aos povos indígenas e fazer mudanças concretas na estrutura jurídica do país, trazendo um discurso que privilegia o latifúndio, a monocultura, e tenta apresentar um quadro que tem como saída a aprovação da PEC 215/00.”
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00 prevê uma mudança na palavra final sobre a demarcação de terras indígenas. Pela Proposta, essa decisão passaria da Presidência da República para o Congresso Nacional, onde a bancada ruralista tem mais peso e autonomia. Aliás, essa bancada já faz valer seus interesses na CPI da Funai e do Incra – a maior parte dos parlamentares dessa Comissão são dessa bancada do boi.
“Tem uma questão de fundo nessa história. Negar as terras indígenas, a cultura e a diversidade étnica dos povos é, na verdade, uma estratégia para liberar as terras públicas e criar uma legislação que evite o reconhecimento da terra indígena. É uma proposta que provoca retrocessos e cria uma impossibilidade de homologação de terras, porque um Congresso com um perfil empresarial e do agronegócio como esse, jamais teremos homologação de terras indígenas”, acusa o presidente da Funai .
Outra questão séria a ser enfrentada pela Funai é a queda no seu orçamento. Nos últimos quatro anos, ele foi reduzido em quase 25%, afetando significativamente a execução de políticas públicas direcionadas às comunidades indígenas. A alternativa para atender os 305 povos indígenas brasileiros, afirma João Pedro Gonçalves, tem sido a cooperação internacional. “Precisamos ter recursos porque são políticas que exigem a presença do Estado brasileiro.” Ele lembra que no último dia 29 de abril foi assinada pela Funai um termo de cooperação com a agência de cooperação alemã KFW para o desenvolvimento de ações de proteção e gestão territorial e ambiental de terras indígenas do sul do Amazonas e do norte do Maranhão.
Apesar de todos os pesares, de um quadro bem difícil politicamente e com inúmeras manifestações anti-indígenas no Congresso Nacional, João Pedro faz questão de ressaltar aspectos positivos da agenda indígena em 2015, como as grandes mobilizações dos povos indígenas contra a PEC 215, a primeira Conferência Nacional de Política Indigenista, a homologação de terras indígenas promovida pelo governo federal e a publicação de relatórios técnicos que reconhecem importantes terras indígenas.
“A Funai está cumprindo seu papel, estamos trabalhando dentro de uma agenda que tínhamos construído”, afirma João Pedro, sem ignorar que há uma conjuntura política no país que torna as coisas bem mais difíceis e complicadas. “Não podemos desconhecer a conjuntura que estamos vivendo com uma ameaça de um golpe contra uma Presidente eleita. Quem está se propondo a ficar no lugar da Presidente é, justamente, um grupo que consideramos anti-indígena, que solicita, como vimos na imprensa, que um grupo de parlamentares entregaram um documento ao vice-presidente Michel Temer, pedindo que o Exército interfira nos confrontos com os movimentos sociais, quer dizer, esse é o pensamento de homens com força política que estão promovendo a CPI, a PEC e estão promovendo o golpe, é esse o segmento atrasado, retrógado, de direita, latifundiário e que só pensam na monocultura e que não conseguem ter uma relação respeitosa com os povos indígenas”, analisa João Pedro.
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