O relatório especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas brasileiros, apresentado no último dia 20 de setembro, é enfático: o Brasil não só não avança na proteção dos direitos indígenas como a situação está piorando de maneira assustadora. E pior: o governo brasileiro não deu a mínima ao relatório, não enviando um representante sequer para receber as recomendações da ONU – limitou-se a comentar por escrito.
“A falta de envio de representantes do governo brasileiro para receber as recomendações da ONU pode ser interpretada como uma falta de compromisso para o implemento de ações que alcancem o cumprimento das recomendações da Relatora”, avalia Sônia Guajajara, indígena que faz parte da Coordenação Executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que acompanhou a apresentação do relatório durante a reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra (Suíça).
Sônia diz que o relatório, por outro lado, foi muito bem recebido pelos povos indígenas, porque retratou bem suas realidades e faz precisa análise do momento político pelo qual passa o Brasil. O relatório critica o sucateamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), que vem sofrendo sucessivos cortes no orçamento, e pede maior esforço na demarcação de terras indígenas, “pois as soluções urgentes e vitais são possíveis caso exista a necessária vontade política”, diz o texto da ONU.
Leia a íntegra do relatório da ONU sobre os direitos indígenas.
A luta dos indígenas pela demarcação de suas terras é acompanhada de diversas retaliações, incluindo no âmbito institucional como as ações orquestradas no Congresso Nacional, especialmente pela bancada ruralista. Atualmente tramitam 180 projetos na Câmara e Senado que dizem respeito de alguma forma aos povos indígenas, afirma Sônia Guajajara. Um deles é a PEC 215, que propõe alterar a Constituição brasileira para transferir do Poder Executivo para o Congresso a decisão final sobre a demarcação de terras no país.
“Esses projetos avançam com muita facilidade, apresentados pela bancada ruralista, que é a maior bancada do Congresso. Com esses projetos, eles querem ter acesso facilitado a esses territórios, em nome de uma produção e de um crescimento econômico que se alia a interesses políticos e econômicos”, acusa Sônia, lembrando que a mídia apóia a bancada ruralista nessa empreitada, colocando os indígenas como vilões, porque têm interesses e acordos com o agronegócio. “Eles tentam de toda forma mudar a legislação para entrar em nossos territórios, e contam com ajuda das bancadas evangélica e militar.”
O momento da conjuntura política nacional é complexo e os riscos de retrocesso nos direitos duramente conquistados são eminentes, diz Sônia Guajajara. “Nunca foi fácil pra nós. Mas se resistimos a todas as adversidades que nos foram impostas até agora, não vamos desistir. Precisamos nos fortalecer enquanto povos e organizações, tanto para enfrentar as ameaças como para ocupar os espaços políticos pertinentes à garantia e implementação de direitos”, afirma.