530 terras indígenas estão completamente paralisadas pelo governo Temer

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De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo, já diz o ditado. Nesse sentido, o governo Temer cumpre fielmente as expectativas. Somado ao desmonte institucional e o loteamento político da FUNAI, a ameaça em curso da PEC 215, os sinais de abertura ainda maior para o setor mineral, fonte direta de conflitos com povos indígenas, é a tese do “marco temporal”, defendida pela Advocacia Geral da União, que mostra as reais intenções deste governo.

Mais que isso: levantamento inédito do CIMI revela que 530 terras indígenas, o equivalente a 63,3% das 836 com alguma ação a ser tomada pela União, não tiveram quaisquer providências administrativas tomadas pelos órgãos do Estado brasileiro. Apenas no estado do Amazonas são 199 terras nesta situação. Em seguida, vem o Mato Grosso do Sul (74), Rio Grande do Sul (37), Pará (29) e Rondônia (24). Durante o governo Temer, não houve nenhuma homologação de terra indígena.

“O marco temporal interessa aos latifundiários, madeireiros, garimpeiros. Para nós é uma destruição. O marco temporal está sendo trazido com derramamento de sangue. Esse é o ‘progresso” que se quer. Nós sentimos cada morte e cada violação todos os dias”, afirma Irani Barbosa dos Santos Macuxi, da terra indígena Raposa Serra do Sol, localizada em Roraima, um dos mais simbólicos e conflituosos processos de demarcação da história do Brasil.

Apesar do aumento no total no número de terras indígenas no Brasil, que passou de 1.113, em 2015, para 1.296, em 2016, apenas 401 destas terras, o que representa 30,9% do total, tiveram seus processos administrativos finalizados e registrados pela União como terras tradicionais indígenas.

É bom lembrar que, de acordo com a Constituição Federal, todas as terras indígenas deveriam ter sido demarcadas até 1993, cinco anos após a sua promulgação, datada de 1988. Em resumo, a dívida histórica do governo brasileiro para com seus povos originários já completa 24 anos.

Para Irani Macuxi, é inaceitável que o Estado queira exigir que os povos precisem de um documento comprovando que estavam em suas terras em 1988. “O Estado nos recebe com ódio, rancor, sangue e violência. Nós apenas queremos paz. Todas as violações feitas – ambientais, sociais, assassinatos e perseguição – na Raposa Terra do Sol, ninguém foi punido até hoje. Mas estamos nos reerguendo e fazendo com que o nosso lar esteja em paz, com nossa cultura, nossa espiritualidade, trabalho e escolas”, afirma.

O relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil”, do CIMI, indica a constante invasão e devastação das terras indígenas em 2016, mesmo das que já estão demarcadas. No total, foram registrados 59 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio. Maranhão e Rondônia, com o registro de 12 casos cada, são os dois estados que mais registraram ocorrências deste tipo. Na maioria dos casos, a invasão é feita para a retirada ilegal de madeira.

Na última semana, uma delegação de oito povos com aproximadamente 70 indígenas vindos do Maranhão (povos Apanikrã Kanela, Krepun, Memortumré Kanela, Krenyê e Gavião), de Roraima (Yanomami, Macuxi e Wapichana) e da Bahia (Tupinambá) cumpriram uma agenda em Brasília contra o retrocesso dos direitos indígenas, incluindo uma reunião com a ministra Grace Mendonça da Advocacia Geral da União (AGU), em que exigiram a revogação do parecer 001/2017. Também foi entregue aos ministros do STF o dossiê “Raposa Serra do Sol: um projeto de vida para os povos indígenas da Amazônia e do Brasil”.

Além do “marco temporal”, os ruralistas tem empreendido uma agenda extremamente agressiva para conseguirem a apropriação definitiva das TI’s, o que inclui até assassinatos de lideranças indígenas.

“Não é à toa que os ruralistas têm esta ânsia voraz. As terras indígenas são as mais preservadas e, portanto, estão repletas de bens comuns, como solo fértil, madeira, água boa, minérios. Tudo o que eles já depenaram dos territórios em que implantaram suas monoculturas para exportação, desertas de vida e empesteadas de veneno. Estas terras é tudo o que eles querem. E farão qualquer coisa para por as suas sujas mãos nelas”, afirma Roberto Liebgott, coordenador do Cimi Regional Sul e um dos responsáveis pela elaboração do relatório.

O relatório do CIMI traz uma extensa tabela que apresenta os 836 territórios não demarcados, divididos por estado, e a situação de cada um deles no procedimento demarcatório é um dos destaques desta publicação.

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Jornalista investigativo especializado em mineração, Amazônia, Cerrado, conflitos socioambientais, povos indígenas, crise climática e direitos humanos. Fundador do Observatório da Mineração. Vencedor do Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (2019) e finalista do V Prêmio Petrobras de Jornalismo (2018).