Amazônia e o grande apetite chinês

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“A China não faz nada de improviso”: esse é um alerta importante feito pela socióloga e pesquisadora Camila Moreno, autora do livro “O Brasil Made In China”, que investiga o processo de influência chinesa no Brasil nos últimos anos, colocando em perspectiva os diversos mecanismos pelos quais isso vem acontecendo e qual o papel da dinâmica do capitalismo contemporâneo nessa história, seja na propalada aliança “Sul-Sul”, seja na pressão pelo constante crescimento chinês, seja pela necessidade de alimentar a sua demanda cada vez mais alta: de alimentos, de matéria prima, de infraestrutura, de dominação cultural.

Um exercício simples de ligar os pontos mostra que, de fato, os chineses não fazem nada por acaso e sua presença na América Latina e no Brasil tornou-se bastante significativa: entre empréstimos cedidos, créditos e investimentos diretos, o dinheiro empregado pela China na América Latina chega a quase 300 bilhões de dólares nos últimos anos. Parte substancial disso na Amazônia. Somente agora em outubro Brasil e China firmaram acordo para um fundo de R$ 20 bilhões em projetos de infraestrutura, após “road show” feito na China pelo secretário-executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco, cabeça das privatizações e braço direito do governo Temer.

O que isso representa na prática? Mais pressão sobre a economia brasileira, mais projetos acelerados com licitações e licenciamentos apressados e mais conflitos.

O PPI (Lei 13.334 de 13 de setembro de 2016) coloca os investimentos em infraestrutura na condição de prioridade nacional, obrigando todos os órgãos a liberar as licenças necessárias à implantação e à operação do empreendimento. Esse é um perigoso passo dado no campo da regulação, afirma Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), “exigir celeridade no licenciamento ambiental conduzido por órgãos debilitados pela falta de pessoal, com orçamentos já críticos e agora sob o risco de congelamento por 20 anos, significa, na prática, jogar a legislação ambiental no lixo”.

O grande volume de investimentos chineses no Brasil tem basicamente duas razões: minério e soja. A soja é hoje o principal produto brasileiro exportado para a China, e tende a aumentar – é usada basicamente como ração para animais, cuja carne é cada vez mais consumida pelos chineses. O crescente consumo de proteína animal na China depende totalmente do potencial brasileiro de atender a essa demanda. Atualmente, o consumo per capita dos 1,3 bilhão de habitantes da China é de 4,7 quilos de carne por ano. O brasileiro, em comparação, consome em media 94 quilos por ano – sem contar peixes e crustáceos. O desafio de soberania alimentar na China se dá porque 50% das terras chinesas são improdutivas, 34% são ocupadas por florestas e pastos e apenas 14% são próprias para o plantio. Além disso, o país enfrenta alta desertificação e problemas de contaminação e salinização de áreas. A China tem 20% da população mundial, mas apenas 7% das terras aptas para agricultura no mundo.

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A abundância de minérios no Brasil, e mais especificamente na Amazônia, que podem ser obtidos hoje em grande quantidade e a baixo custo, também fez crescer o interesse chinês na região. Isso explica o ‘boom’ de crescimento da mineração no Brasil e na Amazônia, puxado pela demanda chinesa, que depende dos nossos minérios para manter o crescimento de sua atividade econômica. Eles investem milhões não apenas na extração de minérios, mas também em siderúrgicas em território brasileiro, para produção de aço para as indústrias chinesas.

“O ‘menu’ oferecido aos chineses, juntamente aos serviços adicionais de mudança de regulação e institucionais para viabilizar projetos a toque de caixa, coadunam com as fortes preferências dos investidores por infraestruturas que visam ampliar o escoamento de commodities para a China e de manufaturas chinesas para o Brasil e região”, afirma Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, em seu artigo “Brasil-China: complementaridade ou dependência”, acrescentando que a complexidade das relações comerciais e de investimentos Brasil-China ficaram em grande medida “nubladas pela narrativa dos interesses Sul-Sul, que contribuiu para mascarar uma relação de fortes assimetrias que aprofundam a dependência histórica do país, e latino-americana, por exportações de commodities, e exponenciam seus inúmeros impactos”.

Para o professor Luiz Roberto Nascimento, do departamento de Economia da Faculdade de Estudos Sociais da Universidade Federal do Amazonas, o custo socioambiental desse intenso interesse chinês no Brasil tem sido alto. Por exemplo, a empresa chinesa Três Gargantas, que demanda investir na futura usina de São Luiz do Tapajós, carrega um lastro de violações não só ambiental, mas também de direitos humanos. “O propósito é ocupar mercado, maximizar vultosos lucros, exportar sua capacidade excedente de investimento e assegurar o controle de recursos estratégicos, também por razões geopolíticas internacionais”, comenta Nascimento.

Rio Tapajós.
Rio Tapajós.

A avaliação do professor Luiz Roberto encontra eco na realidade: a China tornou-se, em 2009, a maior parceira comercial do Brasil. Uma mudança estratégica e histórica significativa, tirando o posto que era dos Estados Unidos desde os anos 30. A China foi o principal destino das exportações brasileiras em 2015, com participação de 18,6% no total das vendas externas do Brasil. Nossas exportações para a China no ano passado chegaram a US$ 35,6 bilhões, pauta composta principalmente por soja em grãos (44%), minério de ferro (18%) e petróleo bruto (12%). Em 2015, mais de duas mil empresas brasileiras venderam produtos para o mercado chinês. A China também foi o principal fornecedor estrangeiro ao Brasil em 2015, com participação de 17,9% no total de nossas compras do exterior. As importações brasileiras da China atingiram US$ 30,7 bilhões em 2015, sendo 97,1% de produtos manufaturados, como circuitos para telefonia, acessórios de máquinas de processamento de dados, motores e geradores elétricos e plataformas de perfuração ou exploração. Em contrapartida, 24 mil empresas brasileiras compraram produtos chineses em 2015.

A China tem mais da metade das grandes hidrelétricas do mundo, e a empresa Três Gargantas já é a sexta maior operadora de energia no Brasil, controlando as hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira (entre São Paulo e Mato Grosso do Sul), de Salto (Goiás), de Garibaldi (Santa Catarina) e de São Manoel, ainda em construção (divisa entre Mato Grosso e Pará). A empresa chinesa também opera cinco parques eólicos (sendo dois em construção) e tem 50% de participação nas hidrelétricas de Santo Antônio do Jari e Cachoeira Caldeirão, ambas no Amapá. A estatal chinesa também firmou um acordo de cooperação estratégica com Furnas para a construção da Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós (UHE Tapajós), no Pará, com 6.133 MW de potência instalada, a maior usina a ser construída nos próximos cinco anos na região e que integra um complexo no qual ainda estão previstas (pelo menos) mais quatro hidrelétricas. Em agosto deste ano, o Ibama arquivou o licenciamento ambiental para a usina de Tapajós, alegando que o projeto alagaria o território indígena Munduruku e obrigaria remoção de aldeias, o que é proibido pela Constituição, destacando ainda falhas nos estudos de impacto ambiental. Em setembro, o Ibama negou recurso da Eletrobras para o que processo de licenciamento ambiental fosse retomado, devido a impedimentos legais e constitucionais referentes à remoção de aldeias indígenas da região.

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Jornalista investigativo especializado em mineração, Amazônia, Cerrado, conflitos socioambientais, povos indígenas, crise climática e direitos humanos. Fundador do Observatório da Mineração. Vencedor do Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (2019) e finalista do V Prêmio Petrobras de Jornalismo (2018).