Os incentivos fiscais na Amazônia estão completando 52 anos. Eles tiveram início em 1963 com a Lei N° 4.216 a qual estendeu à Amazônia Legal os incentivos fiscais já dados ao Nordeste. Nesta época, os incentivos eram administrados pela SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia. A extinção desta Superintendência deu lugar, em 1966, à criação da SUDAM – Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia, com a atribuição, entre outras, de administrar a política de incentivos fiscais e, do BASA – Banco da Amazônia, que substitui o extinto Banco da Borracha e passou a ser depositário dos recursos provenientes dos incentivos fiscais. Já em 1967, foi criada a Zona Franca de Manaus, como área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário.
Ainda em 1966, e no bojo desta reformatação institucional arquitetada pelo governo militar, foi estruturada a chamada “Operação Amazônia” com três pilares:
i) uma política de incentivos fiscais para atrair capital privado para investimentos na região;
ii) uma política de ocupação de terras para solucionar o problema da posse da terra em outras regiões e ampliar a área agrícola na Amazônia;
iii) a ampliação da infraestrutura de telecomunicações e estradas para viabilizar as duas estratégias anteriores.
Por trás do discurso de levar o desenvolvimento ao Norte do país e do lema geopolítico de “Integrar para não entregar”, o objetivo concreto era o de inserir a região na dinâmica de acumulação comandada pelo Centro-Sul do país, estimulando a exploração dos seus recursos naturais, em paralelo à condução de investimentos em infraestrutura para permitir o escoamento destes produtos.
Pacote de Incentivos Fiscais
Assim, e sob a mesma lógica dos incentivos fiscais no âmbito da SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, foi fortalecido um “pacote” de incentivos fiscais para a Amazônia:
I) Isenções de Imposto de Renda: em 50% para os empreendimentos já instalados; em 100% para os empreendimentos que fossem instalados ou que entrassem em operação até o ano de 1971 e, também, para aqueles que ampliassem modernizassem ou aumentassem o índice de industrialização de matérias-primas, colocando em operação novas instalações;
II) Isenção de quaisquer impostos e taxas incidentes sobre a importação de máquinas e equipamentos, destinados à Amazônia, para execução de empreendimentos declarados pela SUDAM como prioritários para o desenvolvimento econômico da Região;
Desde o início, as atividades alvo desta política de incentivos fiscais foram, além da acalentada indústria da Zona Franca de Manaus, as atividades agrícolas, pecuárias, extrativa vegetal e mineração.
Estas medidas estimularam a instalação de empreendimentos industriais na nascente Zona Franca de Manaus. Mas, fundamentalmente, criaram as bases para um padrão de acumulação na região baseado na implantação de grandes projetos agropecuários e minerais comandado por grupos econômicos e financeiros nacionais e internacionais. Faz parte da lista dos maiores beneficiários dos incentivos fiscais nas décadas de 60 e 70 empresas como a Mineração Rio do Norte S/A, Bamerindus Agropastoril, Fazenda Vale do Rio Cristalino. Esta última, por exemplo, foi um projeto da Volkswagen que comprou uma área de quase 140 mil hectares no Sul do Pará, lá colocou 60 mil cabeças de gado e desmatou uma área gigantesca, detectada pelos satélites da Nasa. O fato gerou um escândalo de dimensões internacionais, o que levou a Volkswagen a vender a fazenda no final dos anos 70.
Importante dizer que a terra, além de necessária para os projetos agrícolas, pecuários ou extrativistas, era também aceita pela SUDAM como parte ou a totalidade da contrapartida exigida no negócio.
Originou-se aí uma nova escala e dinâmica de ocupação de terras na Amazônia, com repercussões diretas sobre as taxas de desmatamento e nos conflitos por terra. Do lado da oferta, desenvolveu-se e consolidou-se a partir daí o mercado de terras griladas, uma das marcas do quadro fundiário na Amazônia que persiste até hoje.
Extinção e recriação da Sudam
Apesar dos sucessivos escândalos e dos fracassos colhidos por esta política de incentivos fiscais ela se manteve, com algumas alterações, até os dias de hoje. As datas para aceitação de projetos pela SUDAM foram sendo sucessivamente renovadas por Decretos, mesmo durante o período de extinção da SUDAM, no governo Fernando Henrique Cardoso. Com a recriação da SUDAM pelo governo Lula, em 2007, os incentivos se mantiveram, sem revisão aprofundada dos seus objetivos e de seu modus operandi.
Em síntese, ao longo de distintos governos e projetos de desenvolvimento, os incentivos fiscais na Amazônia continuaram subsidiando investimentos de grande vulto em setores como energia, agronegócio e mineração.
Incentivos fiscais de hoje
Tal como há 52 anos estão preservados os incentivos fiscais. Hoje, a principal forma de concessão desta renúncia fiscal é dada pela dedução de 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, em grande medida apropriada por grandes empresas nacionais e estrangeiras que investem em setores intensivos em recusos naturais.
Isto, juntamente com outros dois incentivos que são:
i) Reinvestimento. Do que sobre para pagar, os 25% do Imposto de Renda, a empresa pode deixar de pagar 30%; ou seja, 7,5%. Este valor pode ser usando para a aquisição de máquinas e equipamentos novos.
ii) Isenção do Adicional de Frete de Marinha Mercante. Isto corresponde a uma redução de 25% sobre o valor do frete marítimo para subsidiar a importação de máquinas, equipamentos e insumos.
Não faltam exemplos da incoerência desta política nos dias de hoje, sem falar dos seus equívocos históricos e dos seus impactos negativos acumulados. Mas atualmente, tal como antes, ela segue impulsionando investimentos de grande vulto em setores como energia, agronegócio e mineração, como se a Amazônia precisasse de estímulos adicionais para a exploração de seus cobiçados recursos naturais.
Por isto, a importância de discutir a atualidade da política de incentivos fiscais na Amazônia. Não se trata somente da construção de condicionantes sociais e ambientais para o acesso aos incentivos e de maior de transparência (quase inexistente) sobre os critérios de escolha, carteira de projetos e valores de isenção fiscal. É preciso um debate aprofundado sobre os impactos e o sentido destes incentivos fiscais na Amazônia.