A mineração sempre esteve associada, no Brasil, à exploração dos recursos naturais voltada para a exportação, grandes impactos socioambientais e desrespeito aos direitos dos trabalhadores. E nos últimos 30 anos, nenhuma região do país simbolizou mais esse modelo do que a de Carajás, no Pará.
Em seu livro Projeto Grande Carajás – Trinta Anos de Desenvolvimento Frustrado, Tádzio Peters Coelho, pesquisador da área de indústria extrativa e desenvolvimento, afirma que “as dimensões colossais de Carajás esboçam também a dimensão de sua tragédia social. Carajás simboliza uma grande contradição capitalista: da maior província mineral do mundo brotam, ao mesmo tempo, a exploração do homem e do meio ambiente, e a vertical acumulação de capital feita por empresas mineradoras e pelo capital financeiro.”
Entrevistamos Tádzio para discutir alguns aspectos da mineração no Brasil, como a intensa produção de minério de ferro e o legado socioambiental que o projeto Carajás deixa para a Amazônia e para o país.
Você considera que a mineração no Brasil é “coisa que não dá mais pé?”
Da maneira que é organizada hoje em dia, não. Não dá mais pé por encarar o licenciamento apenas como mais uma etapa burocrática, transformar a população dos entornos em atingidos, sonegar impostos, organizar a atividade exclusivamente de acordo com os interesses das grandes empresas, destruir formas e meios de vida e por reproduzir dependência econômica.
O Novo Código da Mineração deve ser votado agora em fevereiro na Câmara dos Deputados. Quais os efeitos concretos que sua aprovação podem ter para a região amazônica, onde se concentra grande parte da exploração mineral do país?
Certamente serão efeitos perniciosos. Isso porque o Marco [Regulatório da Mineração], principalmente os substitutivos propostos pelo deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), incentiva um modelo irresponsável e predatório de mineração. Os pontos socioambientais são sofríveis. Os atingidos são apenas formalmente citados, sem maior efeito prático. O Marco proposto também ignora os principais debates contemporâneos sobre a mineração, tais como a regulação do ritmo de extração e as Áreas Livres de Mineração. A tendência, com a aprovação do novo marco nos atuais moldes, é que se intensifique o caminho da reprimarização das exportações e da especialização produtiva. Não há nele qualquer perspectiva de diversificação da estrutura produtiva dos municípios e regiões mineradas. Estas regiões padecem pela minério-dependência e tendem a ser economicamente deprimidos no médio prazo, após a exaustão dos bens minerais. É preciso criar alternativas econômicas que gerem empregos e ampliem os circuitos de renda destas regiões. Trata-se de um Marco Regulatório com caráter de classe social, definido pelas e para as empresas mineradoras.
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No cenário internacional, existe um recuo das exportações do minério de ferro para a China, que é o principal importador do Brasil. Paralelo a isso, a Vale anunciou no final de 2015 que espera aumentar sua produção para até 350 milhões de toneladas de minério de ferro em 2016. O que está por vir com esse novo cenário, com ampliação da produção da Vale em Carajás e sua capacidade de escoamento de minério pela ferrovia?
As condições atuais do mercado internacional das commodities metálicas são definidas pelo ciclo reverso. O ciclo reverso se inicia no pós-boom das commodities, no qual o preço relativo das matérias-primas minerais diminui bastante por causa da queda da demanda, principalmente, chinesa. O ciclo reverso das matérias-primas acontece logo após o ciclo de alta. Pela natureza instável e cíclica do mercado commodities, o ciclo reverso é caracterizado com o período de queda acentuada dos preços em que o valor dos bens primários exportados cai bastante gerando a desigualdade nos termos de troca, quando se torna mais caro para os países primário-exportadores importar bens manufaturados, criando desequilíbrio nas contas externas. A desvalorização do real frente o dólar arrefece um pouco a pressão sobre as contas externas. Não caracterizo este ciclo reverso como necessariamente recessivo. É recessivo para as empresas do setor, mas não é automaticamente depreciativo para as populações e para o interesse nacional. Digo isto porque a retração da atividade econômica da mineração pode significar também menor pressão sobre os territórios. Assim, a população atingida por impactos negativos da mineração pode diminuir de tamanho simplesmente porque a expansão da atividade foi contida. Ao mesmo tempo, o ciclo reverso traz uma série de fatores negativos, já que a tendência do setor é de diminuição no número de empregos formais. Ainda, as empresas, na primeira etapa do ciclo reverso, buscam diminuir os custos trabalhistas e socioambientais, tentando compensar a queda do faturamento com o aumento da extração mineral. É uma racionalidade pautada pelo curto prazo, no lucro imediato para os acionistas, e que aumenta, por exemplo, a probabilidade de tragédias como a de Mariana. No entanto, a província mineral de Carajás permite à Vale tomar atitudes diferentes. É um movimento que em primeiro momento parece contraditório, mas encontra explicação nos custos de extração e preços de venda do minério de ferro de Carajás.
O portal de notícias G1 publicou matéria sobre o aumento da criação de postos de trabalhos em 50 cidades do país. Neste ranking, Canaã dos Carajás (PA) é a campeã em criação de empregos, atribuídos à atividade mineral. Neste momento em que o Brasil também sente os impactos da crise internacional, como você analisa esse ranking, e o que ele diz sobre a relação da crise com a exploração mineral no país, sobretudo relacionado à Vale?
Esta pergunta está atrelada à anterior. Primeiramente, é necessário levar em conta o panorama geral no mercado internacional de minério de ferro, o que já fizemos na pergunta anterior. Segundo, lembro o robusto programa de desinvestimentos levado à frente pela Vale S.A., que inclui a venda de ativos em diversos projetos da empresa pelo mundo, iniciado em 2009 e intensificado em 2014 devido ao fim do ciclo de alta das commodities. Terceiro, Canaã dos Carajás têm particularidades importantes que a distanciam da situação vivida pela maioria dos outros complexos mineradores. No momento de queda dos preços do minério de ferro, o nível ótimo de depleção lucrativa também diminui e sobrevivem os complexos com menores custos de extração e transporte. Canaã faz parte da província mineral de Carajás, onde é extraído minério com alto teor de ferro e baixos níveis de impurezas, o que permite que a empresa disponha de boa parte de seus produtos por meio apenas da britagem e classificação, sem necessitar de outros processos de beneficiamento. Assim, o custo relativamente reduzido do minério de Carajás é a principal carta da Vale S.A. para o ciclo reverso. Também é necessário dizer que as obras para ampliação da capacidade extrativa de Carajás foram iniciadas durante o boom das commodities, mas mesmo no pós-boom a província mineral possibilita a depleção lucrativa. Está sendo construída a infraestrutura do projeto S11D da Vale S.A. em Canaã dos Carajás. Ainda, é provável que a maioria dos empregos seja temporária e direcionada à construção da infraestrutura da mina. Por se tratar de um saldo (quantos trabalhadores assalariados foram admitidos e quantos foram desligados) deve-se levar em conta também que não existiam muitos postos de trabalho no município e, assim, o saldo é extremamente positivo não só pela criação de empregos, mas também pelo pequeno número de postos de trabalho fechados. Curiosamente, a tendência é que muita gente fique sem emprego no município, isto porque se tratando de uma fronteira econômica, aumenta vertiginosamente a imigração. Assim, Canaã dos Carajás segue há alguns anos uma trajetória que deve se estender até a finalização da implantação do projeto S11D. Sabemos pela experiência de outras regiões mineradas que o súbito crescimento populacional gera queda da qualidade dos serviços públicos e piora de indicadores sociais e econômicos, como a violência, o desemprego e a inflação de bens e serviços. Canaã dos Carajás deve passar por uma experiência bastante parecida à vivida em Parauapebas.
Em seu livro, você afirma que a “Vale promove um enclave regional na Amazônia Oriental com o Projeto Carajás, provocando dependência da economia regional à mineração”. Trinta anos depois, qual o legado socioambiental e econômico do Projeto Carajás para a Amazônia?
Até aqui, os povos amazônicos, os trabalhadores da mineração, a população do sudeste paraense e do Maranhão herdaram a destruição cultural e do território, a super-exploração do trabalho e o sistemático boicote das potencialidades humanas de toda uma população. Os efeitos em cadeia gerados pela extração mineral em Carajás são perniciosos e tecnologicamente atrasados. Criaram polos guseiros, que expulsam as populações vizinhas devido à poluição aérea, e utilizam muitas vezes mão-de-obra em condições análogas à escravidão na produção de carvão vegetal, utilizado no processo produtivo do ferro-gusa; são dois os focos de expropriação na região que permitem a intensa apropriação: o ser humano e a natureza. Restaram aos povos envolvidos pelos efeitos de Carajás “o sol empoeirado” e um “nó na garganta”.
Tádzio Peters Coelho é doutorando e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Para adquirir o livro “Projeto Grande Carajás – Trinta Anos de Desenvolvimento Frustrado” envie e-mail para mam.mineracao@gmail.com