BNDES emprestou milhões para empresas que exploram trabalho escravo na Amazônia Legal

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O BNDES é frequentemente criticado por agir com pouca transparência e rigor sobre procedimentos e práticas vinculadas à sua política socioambiental. Um dos problemas apontados é a falta de checagem de dados sobre a prática de trabalho escravo por parte das empresas que pleiteiam financiamento junto ao Banco. E, ainda, a falta de medidas objetivas de suspensão de desembolsos em caso de inclusão de empresas financiadas na chamada “Lista Suja do Trabalho Escravo”.

E não é para menos: levantamento realizado pelo site Investimentos e Direitos na Amazônia, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revela que o banco emprestou, entre os anos 2000 e 2016 quase R$ 90 milhões para empresas e pessoas físicas que integram a Lista Suja do Trabalho Escravo nos estados da Amazônia Legal.

O estado do Pará aparece no topo do levantamento, com 27 empréstimos concedidos pelo BNDES no período analisado a integrantes da lista suja, totalizando R$ 45,8 milhões. O Tocantins aparece em seguida, com 10 ocorrências e R$ 32,4 milhões. O levantamento comparou os presentes na lista suja do trabalho escravo com os registrados no site do BNDES. Acre (R$ 2,2 milhões), Mato Grosso (R$ 7 milhões), Maranhão (R$ 921 mil), Rondônia (R$ 638 mil) completam o quadro.

Dos 10 municípios com maior número de casos de trabalho escravo no Brasil, sete estão na Amazônia, cinco deles no Pará – o estado também é líder nacional, com 22,6% dos casos. Cerca de 70% dos trabalhadores flagrados em situações análogas à escravidão estavam em atividades relacionadas à pecuária.

O Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil, lançado em maio deste ano pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT),  oferece uma série de dados demográficos e de incidência histórica sobre o trabalho escravo no país.

Para Antonio Carlos Mello, coordenador do programa de combate ao trabalho forçado da OIT, existe a necessidade urgente de o sistema financeiro ter um olhar mais criterioso para a conformidade trabalhista e também ambiental, especialmente, mas não apenas, nas instituições públicas como o BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, entre outros.

“Além de consultar previamente a lista suja, as instituições precisam exigir em suas cláusulas contratuais o impedimento ao uso de qualquer tipo de exploração de mão de obra em condições análogas à escravidão. É muito claro que falta fiscalização desse processo”, diz Mello. A pressão econômica é um dos principais mecanismos para diminuir enormemente a incidência de trabalho escravo na região, afirma o representante da OIT. Se os financiamentos passassem por exigências e uma seleção criteriosa, lembra Mello, isto representaria um grande passo para a proteção dos trabalhadores.

Para os nove estados da Amazônia Legal, à exceção de Roraima, o BNDES tinha, em 2015, um valor contratado de R$ 51,37 bilhões tendo como beneficiário empresas cujo nome aparece na Lista Suja do Trabalho Escravo. Deste valor, 82% estão concentrados em três estados: Pará (R$ 26 bilhões ou 50,6%), Maranhão (R$ 10,75 bilhões ou 21%) e Mato Grosso (R$ 5,3 bilhões ou 10%).

“O BNDES tem uma responsabilidade muito grande e precisa atuar de maneira mais objetiva, com muito mais eficiência e controle na hora de conceder estes financiamentos”, alerta Mello.

Além de vetar empréstimos a empresas que integram a lista suja, ele ressalta a importância de os setores econômicos atuarem de maneira ativa para monitorar e auditar suas cadeias de produção, com o objetivo de prevenir violações dos direitos humanos dos trabalhadores, como o trabalho infantil e o trabalho escravo.

Para Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, a falta de procedimentos claros e consistentes do BNDES na análise socioambiental dos pedidos de recurso e, depois, no monitoramento dos projetos, abre caminho para que o banco financie empresas que recorrem a esta prática absurda e vergonhosa. Hoje, o BNDES diz realizar na etapa de enquadramento das operações uma “pesquisa cadastral do beneficiário que inclui verificação de apontamentos referentes a trabalho análogo ao de escravo (consulta a listas públicas ou outros meios oficiais) e crimes ambientais”.

Além disto, nos contratos de financiamento inclui uma cláusula social segundo a qual o cliente se compromete a combater a discriminação de raça ou de gênero, o trabalho infantil e o trabalho escravo no Brasil, prevendo que a comprovação desses atos ilícitos pode resultar na suspensão ou vencimento antecipado da operação. Contudo, não está claro até que ponto a presença na “Lista Suja” é condição para veto para o acesso a financiamento. Prova disto são os vários contratos do banco com empresas cujo nome aparece na “Lista Suja”.

“Parte do problema está na fragilidade do monitoramento e de medidas efetivas dele decorrentes”, afirma Cardoso. Por exemplo, nos casos em que a empresa é incluída na lista depois da concessão de financiamento pelo banco, qual é o procedimento? “Ao que parece, nada de objetivo é feito, o que é absolutamente inconsistente com o discurso de responsabilidade socioambiental vocalizado pelo BNDES”, lembra.

Até onde se sabe o BNDES nunca suspendeu um financiamento em função da entrada de uma empresa na Lista Suja. Tampouco em seus contratos ou procedimentos socioambientais a instituição explicita alguma medida na direção de induzir, por exemplo mediante risco de perda de financiamento, medidas de correção e reparação desta prática que infelizmente é recorrente no Brasil.

Procurado, o BNDES não se manifestou até o fechamento desta matéria.

Segundo dados do Ministério do Trabalho, o número de estabelecimentos fiscalizados caiu 22% desde 2009, passando de 350 naquele ano para 273 em 2015. O número de operações de fiscalização, por sua vez, foi reduzido de 299 em 2013 para 151 em 2015, uma baixa de 50%.

A fiscalização tem se tornado ainda mais frágil na medida em que os empregadores passaram a adotar novas estratégias para driblá-la, como utilizar mão de obra análoga à escrava de forma dispersa, ou seja, sem concentrar grande número de trabalhadores em um só local. Confirmando a relação íntima entre pobreza e vulnerabilidade social, 91% dos trabalhadores resgatados em situação de trabalho análoga à escravidão entre 2003 e 2017 nasceram em municípios cujo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de 1991 era considerado muito baixo para os padrões das Nações Unidas. Se o IDH-M de 2010 for utilizado, vemos que 32% desses municípios ainda apresentavam índices baixos ou muito baixos após quase vinte anos.

Lista Suja do Trabalho Escravo

O Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo teve sua publicação suspensa em 2015 e 2016 após medida cautelar do Superior Tribunal Federal (STF), a pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), que questionava a constitucionalidade do cadastro.

Em maio de 2016, a medida foi revertida pelo próprio STF, depois de portaria do governo federal (Portaria Interministerial N° 4 de maio de 2016) prever o aprimoramento do mecanismo de entrada e saída da lista, de forma a respeitar o direito dos empregadores à ampla defesa.

O cadastro voltou a ser publicado somente em maio deste ano. A “Lista Suja do Trabalho Escravo”, como é popularmente chamada é atualizada semestralmente desde 2003 e é utilizada por governos, instituições financeiras e empresas nacionais e estrangeiras no gerenciamento do risco de manter relações comerciais e financeiras com empresas que utilizam trabalho análogo à escravidão.

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Jornalista investigativo especializado em mineração, Amazônia, Cerrado, conflitos socioambientais, povos indígenas, crise climática e direitos humanos. Fundador do Observatório da Mineração. Vencedor do Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (2019) e finalista do V Prêmio Petrobras de Jornalismo (2018).