Seminário promove troca de experiências e saberes para fortalecer a luta por direitos na Amazônia

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Como a atual conjuntura política e econômica do país e internacional afetam a garantia de direitos socioterritoriais na Amazônia e quais estratégias que a sociedade civil e movimentos sociais podem adotar para reforçar a luta por esses direitos? Essas e outras questões foram debatidas na última semana por pesquisadores, representantes de movimentos sociais e organizações da sociedade civil, ativistas socioambientais e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública durante o seminário “Amazônia – territórios e significados em disputa”, organizado em Belém (PA) pelo Inesc em parceria com a Fase com o apoio da Fundação Mott.

A experiência de povos indígenas, quilombolas, pessoas atingidas pela mineração e grandes projetos de infraestrutura e energia, mulheres, comunidades tradicionais e outros foi o ponto de partida de várias das discussões realizadas durante os dois dias do evento. Os convidados puderam compartilhar em detalhes a vivência local de cada um nas lutas cotidianas, repensar modelos, traçar paralelos e convergências, trabalhar a comunicação e caminhar para possíveis novos tipos de atuação em rede, fortalecendo cada povo e cada pauta em sua particularidade.

Para Carlos Walter Porto-Gonçalves, professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF), coordenador do Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades (Lemto) e um dos debatedores da mesa que contou também com Edna Castro (UFPA) e Alfredo Wagner (UFMA), a principal virtude do Seminário foi “conseguir captar um sentimento que percebo muito nos movimentos sociais da América Latina como um todo, que é a necessidade de repensar as próprias lutas sociais que são históricas nos impasses que elas se defrontam”.

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Segundo Porto-Gonçalves, o verniz do “desenvolvimento” vem, mais do que nunca, trazendo violência física, institucional e simbólica, expulsando pessoas de maneira brutal e cruel do seu território. É o caso, por exemplo, das situações de Altamira e da região do Tapajós. O professor e pesquisador lembra que a Amazônia tem muito a ensinar, tanto por seu repertório ancestral, de vivência registrada de povos na região há 17 mil anos, quanto por ser o futuro. “Os povos estão resistindo e tem profundo conhecimento do metabolismo amazônico. Esse seminário, ao ouvir experiências e tecer novas redes que falam mais de cada um, fortalece a luta local e contribui para combatermos essa forma muitas vezes colonial de pensar o mundo”, diz.

Neste contexto, é preciso também olhar para as políticas e o orçamento público, identificando como acontece essa disputa dentro da União e dos estados, valorizando a leitura que os movimentos sociais fazem sobre como é e como deve ser a política pública, frisa Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc. “O orçamento expressa as relações de poder que existem dentro do Estado e não é por acaso que o orçamento para os povos indígenas tem R$ 500 milhões e para pagar os juros da dívida são destinados R$ 600 bilhões”, exemplifica.

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Cardoso lembra que o Estado é aquele que também viola direitos e que, ao se financiar, privilegia grupos econômicos e produz desigualdade e violência. Assim, a questão tributária é também uma discussão fundamental, a exemplo dos incentivos fiscais que existem na Amazônia para favorecer o avanço de grupos econômicos, como é o caso das grandes mineradoras. O seminário, ao colocar em diálogo movimentos e organizações sociais, pesquisadores, defensores de direitos e Ministério Público, cria a oportunidade para uma reflexão mais aprofundada sobre a complexa realidade em curso e, também, para fortalecer as lutas por direitos na Amazônia.

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Para Guilherme Carvalho, coordenador da Fase na Amazônia, é preciso nos municiar de pensamentos, conceitos, categorias e visões que nos permitam compreender essa complexidade, porque não se pode mais pensar o mundo da mesma forma como se pensava em um passado recente. É estar aberto a esta renovação.

“O que percebo é que temos muita gente boa dedicando sua vida em defesa da Amazônia, mas com uma grande dificuldade de compreender o que está acontecendo mesmo ali na comunidade. Precisamos conhecer essa complexidade atual que nos coloca diante de situações muito difíceis”, reforça Carvalho. Ele também exalta as experiências positivas que acontecem na região e que podem servir de base para outras dinâmicas, caso da agroecologia, da economia solidária, a autodemarcação, as experiências acadêmicas e estudos interdisciplinares como a cartografia social, a caravana do Tapajós, que reuniu um conjunto diversificado de atores sociais, e diversos outros.

Conhecimento compartilhado e ação integrada para pautas fundamentais

Em um debate aberto para a participação de cada um e com dinâmicas práticas para pensar os êxitos, as dificuldades e as necessidades atuais, os participantes puderam conhecer um pouco da realidade tão diversa do território amazônico. Para Johny Fernandes Giffoni, defensor público do estado do Pará com atuação no Núcleo de Direitos Humanos, participar do evento fortalece a ideia da Defensoria Pública como uma instituição garantidora de direitos, que tem que dialogar com a sociedade civil, com a academia e tem que olhar de uma forma transdisciplinar conflitos que estão sendo constantes no dia a dia e que somente pela ótica jurídica não é possível resolver. “A forma como o evento foi organizado possibilita uma visão além do alcance de um todo que é muito complexo e não se reduz a um ambiente político. O seminário é muito rico pela possibilidade desta troca”.

É o que também chama a atenção de Larissa dos Santos, membra da rede Justiça nos Trilhos no Maranhão, que valoriza o intercâmbio com professores e pesquisadores com trabalhos acadêmicos importantes, mas que dialogam com as lutas de quem está nos territórios. “Pensar e repensar essas construções, delineamentos teóricos e metodologias que norteiam nossa prática e cotidiano de luta no dia a dia é muito importante para buscar novos caminhos, elementos e ferramentas que podemos utilizar na defesa desses direitos” avalia.

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Para Alessandra Munduruku, representante do povo Munduruku do médio Tapajós e uma das chefas das guerreiras da região, o importante é que hoje a discussão está indo além do capital. “Aqui eu vejo que o branco também está mudando o modo de ver a luta porque antigamente só pensava em capital e mais nada. Hoje em dia há esse contexto de preservação, por isso a aliança é muito importante, principalmente no nosso território que é indígena, quilombola e outros que também brigam pela terra”.

Charles Trocate, membro da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), considera que os elementos dispostos nas análises e na participação no plenário apontam na perspectiva de instituir novos elementos sobre o pensamento crítico da sociedade brasileira e da região. “Isto é algo novo que precisa ser apontado e é preciso ter disposição de tempo e abertura para que esses elementos inaugurem novas práticas organizativas nos movimentos, nas redes e regiões”, afirma.

 

Jornalista investigativo especializado em mineração, Amazônia, Cerrado, conflitos socioambientais, povos indígenas, crise climática e direitos humanos. Fundador do Observatório da Mineração. Vencedor do Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (2019) e finalista do V Prêmio Petrobras de Jornalismo (2018).