Para quilombolas, golpe de Temer foi ainda mais profundo

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Até abril de 2016, a grande luta das comunidades quilombolas no Brasil era garantir mais direitos, com demarcação e titulação de suas terras. A briga já era difícil, mas o governo interino de Michel Temer conseguiu deixar ainda pior.

No último dia 13 de maio, retirou a competência de demarcação e titulação do INCRA e as transferiu primeiro para o novo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Em seguida, a prerrogativa foi transferida novamente, desta vez para o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário e, agora, para a Casa Civil, sob o comando de Eliseu Padilha, representante do agronegócio no PMDB e inimigo de longa data dos quilombolas.

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Foto Arquivo: Alexandra martins/Câmara dos Deputados

“É um momento político em que sentimos que levamos um golpe profundo em nossas conquistas”, afirma Denildo Rodrigues, o Biko, membro da coordenação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), lembrando enfrentamentos com o partido do ministro em relação à PEC 215, que altera procedimentos em relação à demarcação de terras no país, e outros projetos de lei que retiram direitos da população brasileira.

Em Nota Pública, a Conaq rechaçou as mudanças e denunciou que “esse cenário apresenta riscos reais de um retrocesso sem precedentes para os direitos humanos, civis e sociais, quando as políticas públicas sociais são leiloadas pelo Presidente Interino Michel Temer no Brasil”.

Além da ofensiva contra seus direitos no Executivo, os quilombolas têm outra frente importante: o Congresso Nacional. As ameaças são muitas e os inimigos, grandes. São vários os projetos de lei e PECs que tramitam nas duas casas para retirar direitos dos quilombolas. Além disso, há a CPI da Funai e Incra, instaurada na Câmara dos Deputados e composta, em sua maioria, por parlamentares da bancada ruralista. Para Biko, a CPI tem como objetivo criminalizar os movimentos sociais, as lideranças e punir os profissionais que trabalham com a política de regularização fundiária.

“O Congresso, em maior parte de sua composição, não representa o povo brasileiro, mas sim as corporações e o setor do agronegócio. A Friboi, por exemplo, financiou a campanha de quase 200 parlamentares. A partir do momento que você é financiado por uma empresa, você tem o compromisso de defender os interesses dela, o que deveria ser o contrário, ser eleito pra defender os interesses do povo”.

Conflitos de Terras

De acordo com informações da Conaq, existem cerca 5 mil comunidades quilombolas espalhadas de Norte a Sul do país, o que equivale a uma população de quase 16 milhões de pessoas. Destas comunidades, pouco mais de 2.600 foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares.

Embora certificadas, a maior demanda das comunidades quilombolas continua sendo a demarcação de suas terras, uma caminhada que muitas vezes resulta em conflitos no campo por terra ou territórios. No Brasil, foram registradas 1.217 ocorrências de conflitos no campo em âmbito nacional no ano de 2015, envolvendo mais de 816 mil pessoas. Os dados são do Relatório Conflitos no Campo Brasil – 2015, elaborado pela CPT – Comissão Pastoral da Terra.

De acordo com o Relatório, entre os sujeitos sociais envolvidos em luta pela terra e pelo território em 2015, destacam-se camponeses posseiros, camponeses sem terra, camponeses assentados/proprietários. Em seguida, também aparecem quilombolas envolvidos em 77 conflitos e os povos indígenas 100 conflitos. “Reiterando, no Brasil, a classe camponesa luta pelo acesso à terra ou para nela ficar, e os povos indígenas e quilombolas lutam pelas demarcações de seus territórios de vida”, destaca trecho da pesquisa.

“A medida que a luta quilombola vai se firmando os conflitos tendem a aumentar. No Brasil ainda existem algumas fronteiras. As fronteiras quilombolas, indígenas e de povos e comunidades tradicionais são vistas pelo agronegócio como empecilho ao desenvolvimento da produção da monocultura, tanto é que os representantes desse setor no Congresso fazem de tudo para que a nossa política, sobretudo de demarcação de terras, não ande. Estamos nas mãos de 594 ‘cabras’ que não defendem nossos interesses, senadores e deputados não estão preocupados em defender os interesses do povo, estão preocupados em defender os seus interesses”, reforça Biko.

Matopiba

Internet

Além da luta pela demarcação, os conflitos, as ofensivas no Congresso, a extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), os cortes no orçamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PPA) e as incertezas com as decisões do governo interino, as comunidades quilombolas enfrentam outro grave problema: o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba.

Instituído por meio do Decreto de Nº 8447 de 6 de maio de 2015, o Matopiba abrange as regiões do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, totalizando 143 milhões de hectares e mais de 25 milhões de habitantes.

As comunidades quilombolas que vivem na região, consideram o Plano um desastre tanto pela proposta de desenvolvimento quanto pela possibilidade de extinção dos biomas que existem nas áreas de abrangência. “É uma proposta de desenvolvimento destrutivo e que não nos contempla, ao contrário vem pra destruir o cerrado, destruir os territórios quilombolas. Esse é um projeto que não queremos, que temos que lutar contra ele”, alerta Ana Cláudia Mumbuca, quilombola da Comunidade Mumbuca, localizada na região do Jalapão (TO) e coordenadora administrativa da Coeqto – Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas no Tocantins, filiada à Conaq.

Para Ana Cláudia, as diretrizes do Plano reforçam o fortalecimento do agronegócio, em seus diferentes aspectos.  “Para nós é muito preocupante, é um cenário destrutivo que não respeita as comunidades e territórios quilombolas, que já passam por fragilidades. Por exemplo, nós não temos o título de regularização territorial, só temos o título de reconhecimento da Fundação Palmares, quando fizeram o levantamento de quantos territórios quilombolas estão dentro do Matopiba nem fomos identificados porque não temos a titularidade da terra”, destaca.

Entre as preocupações com o projeto do governo federal está a falsa promessa de que este trará benefícios às comunidades, como estradas e pontes.

“Esse projeto tem objetivo de beneficiar eles, os produtores rurais. As comunidades não vão receber benefícios, pelo contrário. No Jalapão, já estamos sentindo a chegada do eucalipto, da monocultura da soja. À exemplo, Mateiros é o terceiro município mais pobre do Brasil e paralelo a isso é o segundo maior produtor de soja do Tocantins, ou seja, o município que mais produz soja é o que tem mais pessoas pobres. Esse desenvolvimento não chega às pessoas, aos quilombolas”, reforça e, avisa “nós quilombolas estamos mobilizados. Estamos na luta dizendo não ao Matopiba, não ao golpe e sim à agroecologia, à reforma agrária, aos territórios quilombolas”.

Leia mais:

Conflitos socioambientais e resistências locais: notas sobre a experiência quilombola na Amazônia

 

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Organização não governamental, sem fins lucrativos, sediada em Brasília e que atua há 35 anos em defesa dos direitos humanos e pelo fortalecimento da democracia.